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VIDA PASTORAL: PROFISSÃO OU VOCAÇÃO


Inicio esta reflexão com uma pretensa correlação entre a atividade pastoral e a atividade médica. E percebo, por exemplo, que na atividade médica, obviamente vinculada às questões do cuidado, se espera e, também, exige-se algumas prerrogativas, a saber, efetiva formação acadêmica, períodos práticos de adaptação à rotina, formação complementar[1] e, não raro, a partir da expectativa de quem receberá cuidado, experiência. Pode-se perceber, portanto, nestas primeiras palavras que a vida médica exige daquela e daquele que pretende embrenhar-se nesta jornada, comprometimento. Assim, soaria inusitado para quem recebe atendimento médico, saber que em outro período do dia, quem lhe atende, estaria projetando prédios (como arquiteto), por exemplo. Não seria recebido, pelo menos, como uma notícia normal e para outras pessoas, quem sabe, até mesmo, inaceitável. Motivo? Comprometimento e demandas na causa médica. É comum pensar que algumas pessoas são atraídas para determinadas profissões, como as viabilizadas pela medicina, pelo status, pela remuneração e/ou pela ascensão ou manutenção social. Poderia surgir, portanto, outra questão: comprometimento teria relação com uma visão mais holística, integral e integrativa, ou seja, que percebe mais do que a própria realidade, visando os seus desejos e objetivos individualistas. Algumas pessoas chamariam isto de vocação. Empiricamente, poderíamos fazer um exercício de lembrança dos momentos em que dizemos, após uma consulta médica: “– Isto sim foi um atendimento médico!”. E porque motivo se expressaria de tal forma? Por perceber mais do que somente um exigente conhecimento técnico (de extrema importância, aliás); mas, também, “interesse”, “jeito”, “tato”, “criatividade”, “talento”, “feeling” ou – melhor – vocação. Talvez você esteja se perguntando: “– Que relação tem isso tudo com a vida pastoral?”. Antes de tentar responder, permita-me partilhar, ainda, intrigante lembrança sobre comentários que ouvi em época de formação teológica. Dentre estes, quando busquei saber das motivações que traziam as pessoas ali, escutei diversas explicações, mas um conjunto destas tomou volume em diversas vozes, e dizia, basicamente, que não teriam conseguido passar em outros vestibulares e, assim, entenderam que Deus lhes encaminhou para a vida pastoral. Lembra quando, acima, visitamos algumas motivações para a vida médica: status, remuneração, ascensão ou manutenção social? Em que pese todas as diferenças técnicas entre estas duas formações; não seriam estas duas áreas correlatas nas questões de cuidado? Não teriam ambas, exigências fortes relativas à formação? Não seria de se esperar, além da formação básica, interesse – por parte de quem as exercem – nas relações interpessoais advindas da rotina, empenho por formação valorosa, complementar, contínua[2] e, ainda, acompanhamento em período de ingresso a cada uma destas atividades? Além do mais, não caracterizaríamos como ideal se a pessoa empenhada em fazer o melhor, não tivesse – também – esta marca distinta: vocação?! Enfim, como soaria saber de quem lhe traz cuidado pastoral, que noutro período do dia, projetará prédios? É proibido? Obviamente que não! Mas, certamente – neste caso – estaríamos falando de igreja com porte para manter diversas (quantidade) e diversidade (qualidade) de linhas de cuidado para o manejo pastoral. Seria esta, entretanto, a realidade da maioria de nossas igrejas? Ocorre-me, portanto, pensar em como se tem encarado a vida pastoral? É profissão, com ênfase nas exigências de formação técnica/acadêmica? É vocação, que – milagrosamente – “dispensaria” exigente formação? Se tivéssemos espaço para tanto, muitas das pessoas leitoras, agora, poderiam trazer exemplos que lhes foram positivos e negativos diante destes dois últimos questionamentos. Mas quero crer, ainda, e na medida do possível, que temos a expectativa de conjugar ambos: exigências de caráter profissional e qualidades vocacionais. Diante disto, como reflexão e encorajamento, partilho o que assevera Sobrinho, “A vocação pastoral é espinhosa demais, desafiadora demais para ser desenvolvida apenas com recursos humanos [...] tem que ter uma capacitação sobrenatural para poder atender às demandas do ministério pastoral.”[3] Ainda, amorosa dedicação dá sabor, tempera e faz diferença em qualquer atividade: “Só um ser livre pode doar-se totalmente ao outro ou a uma causa.”[4]; e livre pode significar não ir adiante nesta ou naquela direção por pressões externas: status, remuneração, ascensão, manutenção social e/ou insucesso em um ou outro vestibular; pelo contrário, significa conjugar e considerar o alheio, a outra pessoa. Requer compaixão, portanto, “tão necessária face ao oceano de sofrimento em que estão mergulhadas a humanidade [...]”[5]. Enfim, significará, muitas vezes, “assumir o lugar do outro, não deixa-lo sofrer só, oferecer-lhe um ombro, estender-lhe uma mão, chorar junto e pôr-se solidariamente no mesmo caminho, lado a lado.”[6] Isto requererá comprometimento e, também, trará o preço para tanto. Assim, tão necessário quanto este empenho para com outras pessoas, será um olhar de cuidado sobre si, também. Na perspectiva de continuidade sadia, relativa para com a própria atividade pastoral, necessário será fomentar e exercer cuidado pessoal.[7]Encerro esta reflexão, queira Deus de caráter encorajador, com as palavras da engajada psicóloga para com as efetivas relações de cuidado, Roseli Kühnrich: Nas relações de ajuda, o cuidar pressupõe que há alguém que cuida e alguém que é alvo deste cuidado. Contudo, cuidar de si mesmo é o cuidado que se dá intrinsecamente, ou seja, o indivíduo é ao mesmo tempo o que cuida e o que é cuidado.[8] Pr. Felipe T. Almeida Doutorando em Teologia (Bolsista da Capes). [1] Impressões a partir de site especializado em profissões. Guia do Estudante. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/profissoes/saude/medicina-690586.shtml>. Acesso em: mai. de 2014. [2] Abordagem bastante oportuna e partilhada na perspectiva de eminente sociólogo polonês: BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. 2. ed. revista. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2009. 210 p. Em especial, no capítulo “Aprendendo a andar sobre areia movediça”. p. 151-166. [3] SOBRINHO, João Falcão. Agora sou pastor: orientações e conselhos práticos para pastores. Curitiba: A. D. Santos Editora, 2011. p. 5. [4] BOFF, Leonardo. O cuidado necessário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 192. [5] BOFF, p. 194 [6] BOFF, p. 194 [7] Encorajo, enfaticamente, a leitura da obra desta especialista na temática do cuidado a cuidadores: OLIVEIRA, Roseli Margareta Kühnrich de. Pra não perder a alma: o cuidado aos cuidadores. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2012. 111 p. Em especial, o capítulo “Olhando para quem cuida”. p. 43-76. [8] OLIVEIRA, Roseli Margareta Kühnrich de. Pra não perder a alma: o cuidado aos cuidadores. São Leopoldo: Sinodal, 2012. p. 45.

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